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Estimativas recentes sugerem que uma em cada oito pessoas, quase um bilhão de indivíduos em todo o mundo, vive com uma condição de saúde mental, isso aumenta para uma em cada sete entre aquelas de 10 a 19 anos.
Além dos impactos nocivos à saúde causados pela própria condição, pessoas que vivem com algum transtorno mental também estão ameaçados pelas consequências sociais prejudiciais do estigma e da discriminação.
A pandemia de Covid-19 colocou em evidência as necessidades urgentes de saúde mental em todo o mundo. No primeiro ano da pandemia, houve um aumento estimado de 25% na prevalência de depressão e ansiedade no mundo.
No entanto, apesar da alta incidência de problemas de saúde mental, o estigma e a discriminação ainda se fazem presentes, levando à exclusão de indivíduos da sociedade e à negação de direitos humanos básicos, como oportunidades de emprego e educação e acesso aos cuidados de saúde, incluindo aqueles voltados à saúde mental.
Especialistas sugerem que, com uma ação radical, é possível acabar com o estigma e a discriminação contra pessoas com problemas de saúde mental e suas famílias em todo o mundo. Para isso, um grupo de pesquisadores que compõem a Comissão da Lancet sobre o tema estabeleceu uma série de recomendações.
A nova Comissão Lancet é o resultado do trabalho de mais de 50 colaboradores de todo o mundo, incluindo pessoas com experiência de uma condição de saúde mental.
Contendo testemunhos e poemas de pacientes, a comissão analisa as evidências sobre intervenções eficazes para reduzir o estigma e apela à ação imediata de governos, organizações internacionais, empregadores, prestadores de cuidados de saúde e organizações de comunicação social, juntamente com contribuições ativas de pessoas com experiência na área.
“Muitas pessoas com experiência vivida em condições de saúde mental descrevem o estigma como ‘pior do que a própria condição’. Agora há evidências claras de que sabemos como reduzir efetivamente e, em última análise, eliminar o estigma e a discriminação. Nossa comissão faz oito recomendações radicais, práticas e baseadas em evidências para ação para libertar milhões de pessoas em todo o mundo do isolamento social, discriminação e violações dos direitos humanos causadas pelo estigma”, diz o copresidente da comissão, Graham Thornicroft, do King’s College, de Londres, em comunicado.
A coautora Charlene Sunkel, fundadora e CEO da Global Mental Health Peer Network, da África do Sul, e uma pessoa com experiência de esquizofrenia, diz:
“A pandemia da Covid-19 resultou em um número maior de pessoas com problemas de saúde mental e ações urgentes são necessárias para garantir que esses indivíduos também não experimentem as consequências potencialmente graves do estigma e da discriminação. Devemos capacitar e apoiar as pessoas com experiência em condições de saúde mental para desempenhar papéis ativos nos esforços de redução do estigma”.
Os especialistas argumentam que o estigma relacionado às condições de saúde mental tem muitas formas que levam a uma infinidade de consequências muitas vezes subestimadas.
A Comissão revisou evidências sobre o impacto do estigma e da discriminação, bem como completou sua própria pesquisa de pessoas com experiência de vida em condições de saúde mental de mais de 40 países em todo o mundo.
Os pesquisadores consideram que as pessoas com experiência vivida de condições de saúde mental muitas vezes enfrentam estigma e discriminação que têm um impacto profundamente negativo em seus direitos humanos básicos em todos os aspectos da vida.
A discriminação em ambientes educacionais e de trabalho, por exemplo, leva a oportunidades de emprego e renda reduzidas. As relações entre condições de saúde mental e pobreza são especialmente destrutivas em países de baixa e média renda. Além disso, às pessoas com problemas de saúde mental pode ser negado o direito de votar, casar ou herdar bens.
O estigma e a discriminação são questões significativas também para a área da saúde: os próprios profissionais de saúde nem sempre sabem a melhor forma de diagnosticar e cuidar de pessoas com problemas de saúde mental.
Além disso, as pessoas com problemas de saúde mental costumam ter uma expectativa de vida menor do que o restante da população. O investimento em saúde mental é, em média, apenas dois por cento do gasto total em saúde. Enquanto isso, as condições de saúde mental são frequentemente excluídas dos esquemas de seguro de saúde, ao contrário da maioria das condições de saúde física.
Em junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta de que a saúde mental tem sido uma das áreas mais negligenciadas da saúde pública no mundo. Subvalorizado e incompreendido, o campo recebe uma ínfima parte da atenção e dos recursos necessários.
“Todo mundo com uma condição de saúde mental é afetado pelo estigma e discriminação, mas é especialmente importante reconhecer como os jovens e seus cuidadores são afetados. Um em cada sete jovens de 10 a 19 anos sofre de uma condição de saúde mental. Os mal-entendidos sobre a saúde mental e a falta de aceitação continuam a ser um desafio significativo para muitos jovens em todo o mundo”, diz Zeinab Hijazi, assessora técnica de saúde mental do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e autora do relatório.
Ela alerta que adolescentes com problemas de saúde mental podem deixar de procurar ajuda se tiverem medo de sofrer estigma e incompreensão da família, professores e colegas. “É crucial que reduzamos e, eventualmente, eliminemos o estigma em torno de jovens com problemas de saúde mental, para que possam experimentar a vida sem discriminação”, destaca.
A análise da comissão da Lancet enfatiza que as formas de contato social (pessoal ou remotamente) entre pessoas que têm ou não experiências de vida em condições de saúde mental são a maneira mais eficaz baseada em evidências para reduzir o estigma e a discriminação.
Além disso, destaca a necessidade de pessoas com problemas de saúde mental serem fortemente apoiadas para liderar ou coliderar intervenções que usem o contato social para reduzir o estigma e a discriminação.
“Descobrimos que o contato social, onde as experiências vividas de pessoas com problemas de saúde mental eram compartilhadas com pessoas que não tinham tais condições, reduzia com sucesso o estigma quando apropriadamente adaptada a diferentes contextos e culturas. É crucial que vejamos um contato social mais organizado, seja por meio de discussões pessoais, videochamadas, teatro ou cinema, entre pessoas com e sem experiências vividas de condições de saúde mental, se quisermos acabar com o estigma e a discriminação”, diz Peter Winkler, diretor do Centro Colaborador da OMS para pesquisa em saúde mental pública e desenvolvimento de serviços, na República Tcheca.
A fim de acabar com o estigma e a discriminação relacionados com a saúde mental, a comissão apela aos governos, organizações internacionais, escolas, empregadores, cuidados de saúde, sociedade civil e meios de comunicação social para que tomem medidas urgentes e faz recomendações específicas para cada grupo.
Para governos e organizações internacionais, a comissão recomenda implementar políticas específicas para emitir orientações que visem reduzir e, eventualmente, acabar com o estigma e a discriminação.
Especificamente, recomenda-se que todos os países tomem medidas para descriminalizar o suicídio, reduzindo assim o estigma em torno do suicídio e levando a menos ocorrências.
Aos empregadores a Lancet orienta a tomada de decisão baseada em evidências para promover o acesso total a oportunidades educacionais, participação no trabalho e programas de retorno ao trabalho para pessoas com problemas de saúde mental.
Para prestadores de serviços de saúde e assistência social, os especialistas recomendam cursos nacionais de treinamento, que devem incluir sessões de treinamento obrigatórias sobre as necessidades e direitos das pessoas com problemas de saúde mental.
Pensando nas crianças e adolescentes, a comissão da Lancet destaca que os currículos escolares devem incluir sessões para alunos sobre intervenções baseadas em evidências para melhorar a compreensão das condições de saúde mental.
Já a imprensa deve remover sistematicamente o conteúdo estigmatizante e emitir declarações de políticas e planos de ação, com base nas conclusões da comissão, sobre como promover ativamente a saúde mental e contribuir consistentemente para a redução do estigma e da discriminação na saúde mental.
“A saúde mental afeta a todos nós, direta ou indiretamente, e agora é a hora de organizações e indivíduos implementarem nossas recomendações para acabar com o estigma e a discriminação para sempre. Para realmente acontecer isso, é fundamental que pessoas com experiência vivida sejam parceiros-chave nas iniciativas anti-estigma”, diz Guadalupe Morales Cano, diretora da Fundación Mundo Bipolar, de Madrid, na Espanha.