O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro nos colocou diante de um enigma. Apesar do desastre que seu mandato representou para as políticas de segurança pública, o ano de 2022 acabou com uma quantidade de homicídios quase um terço menor do que o total de casos registrado em 2017, primeiro ano de funcionamento do Monitor da Violência. Cinco anos depois, foram 40,8 mil mortes intencionais violentas, o que significa 18 mil ocorrências a menos*.
A queda dos homicídios já tinha se iniciado em 2018, no último do governo de Michel Temer, mas a redução teve prosseguimento em 2019 e durante o governo Bolsonaro. Temia-se pelo pior diante do crescimento de armas em circulação, que alcançou 78%, o que representava quase um milhão de armas a mais. Havia 1,3 milhão de armas registradas no final de 2018, último ano do governo Temer, saltando para 2,3 milhões em novembro de 2022, segundo levantamento dos institutos Sou da Paz e do Igarapé.
As contas e as análises não parecem fazer sentido. Mais armas de fogo nas mãos do público, afinal, conforme mostram diversos estudos, podem provocar desenlaces fatais nas brigas de trânsito, nos bares ou em casas noturnas, por exemplo. O mesmo pode ser dito em relação aos conflitos domésticos e suicídios, sempre mais letais nas residências com revólveres e pistolas. Estes tipos de ocorrências circunstanciais continuaram ocorrendo e foram somadas aos crimes políticos, que passaram a fazer parte de nossa paisagem. Mesmo assim, os casos gerais de assassinatos caíram.
O presidente Bolsonaro argumentou que a redução dos homicídios era uma decorrência justamente do aumento das armas em circulação, que levaria o ladrão a “pensar duas vezes” antes de assaltar um “cidadão de bem”. A explicação não faz sentido porque os homicídios decorrentes de assalto são a absoluta minoria, não chegando nem a 5% do total de mortes intencionais violentas.
A redução está ligada a outro movimento, vinculado a um tipo de homicídio diferente, que passou a crescer no Brasil depois dos anos 80. Esses casos ocorriam, inicialmente, nas grandes cidades do Sudeste, como Rio e São Paulo, concentrados nos bairros pobres, com baixos índices de urbanização, entre grupos e indivíduos ligados a atividades criminais, que passavam a disputar a tiros poder, mercado e território com seus concorrentes.
Nas cidades que se urbanizavam rapidamente, esses lugares se tornaram focos de diversos tipos de conflitos letais. A busca por oportunidade e dinheiro em um mercado ilegal e bilionário de drogas, que se tornou mercadoria cobiçada nos grandes centros, era um dos combustíveis dessa tensão. As polícias jogavam gasolina na fogueira agindo com violência nas periferias como um exército em defesa de uma classe – a dos moradores de classe-média e alta das regiões centrais, que deviam ser protegidos dos jovens dos bairros pobres. Havia, inclusive, disputas geracionais.