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Brasil

'Imposto do pecado': o que se sabe e o que falta saber sobre o novo tributo seletivo

Lista de produtos enquadrados no imposto seletivo será discutida no ano que vem, na redação de uma lei complementar. Parte dos produtos com chance de serem sobretaxados podem espalhar preços mais altos ao longo da cadeia de produção.

Publicada em 03/10/2023 às 09:29h - 47 visualizações g1

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'Imposto do pecado': o que se sabe e o que falta saber sobre o novo tributo seletivo

Bebidas alcóolicas são citadas como bens que podem ser tributados pelo novo imposto seletivo — Foto: Pexels

Bebidas alcóolicas são citadas como bens que podem ser tributados pelo novo imposto seletivo — Foto: Pexels

A reforma tributária, que agora deve começar a tramitar no Senado, prevê a implementação de um imposto seletivo sobre bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O tributo ganhou o apelido de “imposto do pecado” porque deve incidir sobre itens como cigarros, bebidas alcoólicas e pesticidas.

Acontece que a lista final de produtos que serão taxados — e a alíquota que vai incidir sobre eles — ainda permanecerá pendente de detalhamento por algum tempo. Isso porque a definição só se dará por meio de uma lei complementar, que será redigida e aprovada após a conclusão das bases da reforma.

Segundo especialistas ouvidos pelo g1, a ausência de detalhes abre margem para discussões sobre quais produtos são enquadrados nos critérios do texto e como a lista de produtos pode espalhar efeitos pela cadeia econômica.

Entenda abaixo o que se sabe e o que ainda se falta saber sobre o novo “imposto do pecado”.

Estudo da Fazenda prevê alíquotas entre 25,45% e 27% com a Reforma Tributária
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Estudo da Fazenda prevê alíquotas entre 25,45% e 27% com a Reforma Tributária

 

O que se sabe sobre o novo imposto seletivo?

 

Segundo o texto da reforma tributária, o novo tributo seletivo estabelece uma alíquota maior que a padrão para bens e serviços que sejam prejudicais à saúde e ao meio ambiente.

A cobrança de um imposto desse tipo não é novidade. No Brasil, tanto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) quanto o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já têm um caráter de seletividade.

Nesse caso, a principal diferença está na forma como essa seletividade é vista. No atual modelo de tributação, por exemplo, essa cobrança acontece “em função da essencialidade do produto” – ou seja, quanto mais essencial é um bem, menor a alíquota que incide sobre ele e vice-versa.

Agora, foram tipificados produtos que, em tese, são nocivos. É o caso, por exemplo, de cigarros e bebidas alcóolicas: dois produtos normalmente citados por tributaristas como bens que podem ser taxados pelo novo imposto – e que, inclusive, já têm umas das maiores cargas tributárias embutidas no preço.

A expectativa, segundo o secretário extraordinário para a reforma tributária, Bernard Appy, é que esse tributo seja criado em 2027, já com a alíquota cheia (sem necessariamente passar por um valor de transição).

 

E o que ainda falta saber?

 

Segundo especialistas tributários e empresários, a grande expectativa sobre esse tributo está no seu detalhamento, que deve ser discutido amplamente apenas em 2024, depois da aprovação do texto base da reforma tributária. Entre as perguntas que ainda precisam ser respondidas, estão:

 

  • Qual deve ser a lista de bens e serviços que devem ser taxados pelo novo imposto do pecado?
  • Qual será a alíquota do novo tributo?
  • A aplicação dessa alíquota pode refletir em um aumento do mercado ilegal e do contrabando?
  • Quais os efeitos práticos desse novo imposto na economia?

 

 

Há indícios sobre quais produtos podem ser taxados pelo novo imposto?

 

Uma das principais dúvidas que ainda existem sobre o novo tributo sequer começou a ser discutida pelo governo. Segundo o Ministério da Fazenda, o foco agora está em “aprovar a Emenda Constitucional”, e o debate sobre quais devem ser os produtos e serviços taxados pelo novo tributo só deve vir depois da aprovação da reforma.

“Caberá à lei ordinária instituir e regulamentar o imposto seletivo. É nesse momento que se discutirá, por exemplo, sobre quais bens ou serviços prejudiciais ele incidirá. Ressalta-se que a finalidade desse imposto é regulatória, não arrecadatória”, disse o ministério em nota, acrescentando que a elaboração desse projeto de lei será feita “por meio de amplo diálogo com a sociedade”.

Para especialistas, no entanto, o tema é muito abrangente e abre um grande espaço para debate e discussão.

 

“Hoje, pela proposta, a ideia é que haja uma redução da imaterialidade, ou seja, [o novo tributo] não poderá incidir sobre produtos que não prejudiquem a saúde ou o meio ambiente”, afirma o advogado tributarista e sócio da SouzaOkawa Advogados, Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho Neto.

 

“Além disso, o imposto também não poderá incidir sobre os vários itens que foram beneficiados pelas alíquotas reduzidas, como os relacionados à saúde e educação, por exemplo”, acrescenta.

Outra dúvida destacada por tributaristas diz respeito a como o novo imposto seletivo deve se encaixar em outros pontos da reforma tributária — como na intenção de trazer um regime diferenciado de tributação para produtos consumidos pela população de baixa renda, por exemplo (veja mais abaixo).

Além disso, o detalhamento da cobrança desse tributo sobre produtos similares aos produzidos na Zona Franca de Manaus, prevista no texto da reforma, também tem ficado no radar.

Recentemente, o Ministério da Fazenda informou que produtos como bicicletas, motos, smartphones, TVs, condicionadores de ar e notebooks, por exemplo – todos fabricados tanto na Zona Franca como em outras regiões do país – também podem sofrer a incidência do novo imposto seletivo.

Entenda como pode ser a cobrança do Imposto Seletivo sobre produtos similares aos produzidos na Zona Franca

Entenda como pode ser a cobrança do Imposto Seletivo sobre produtos similares aos produzidos na Zona Franca

Saiba mais

 

O que pode ser classificado como prejudicial à saúde?

 

Mesmo com a delimitação desse tributo para itens que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, especialistas reforçam que a lista de produtos e bens que podem acabar sendo tributados continua enorme.

No exterior, há casos de países que adotaram o chamado “sugar tax”, ou imposto do açúcar, que incide normalmente sobre alimentos e bebidas açucarados. Um levantamento feito pela Obesity Evidence Hub, por exemplo, aponta que mais de 50 países já implementaram um tributo do tipo pelo mundo.

Na teoria, dizem especialistas, essa também pode ser uma das bases de incidência adotadas para o novo imposto do pecado, uma vez que produtos com grande volume de açúcar em sua composição podem ser classificados como sendo prejudiciais à saúde.

O tema, no entanto, ainda traz dúvidas. Segundo a advogada tributária e sócia da Utumi Advogados, Ana Claudia Utumi, o debate sobre o que pode ou não ser danoso à saúde tem causado bastante preocupação entre especialistas e empresários.

 

“Há um dito popular que fala que a diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. O açúcar, por exemplo, pode ser danoso ao organismo, mas também pode ser saudável. Tudo depende da quantidade consumida. O produto, por si só, muitas vezes não é danoso”, afirma.

 

Para o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABAI), João Dornellas, no entanto, a classificação sobre os alimentos ultraprocessados não encontra consenso e que produtos do tipo provavelmente não devem ter a incidência do imposto seletivo, uma vez que "não são nocivos à saúde ou ao meio ambiente".

"Trata-se de uma discussão que vai muito além do impacto financeiro para o setor e para toda a cadeia produtiva de alimentos. Ela atinge diretamente a questão da promoção da segurança alimentar. Quanto mais impostos, menos acessíveis ficam os alimentos", acrescenta Dornellas.

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O que pode ser considerado prejudicial ao meio ambiente?

 

Outro ponto trazido por especialistas é a indefinição sobre o que pode ser considerado danoso ao meio ambiente, e quais os efeitos que isso poderia gerar nas cadeias de produção.

Um exemplo usado pelos tributaristas seria a possibilidade desse novo imposto incidir em produtos como plásticos e outros derivados de petróleo, considerados prejudiciais ao meio ambiente.

Nesse caso, a dúvida seria sobre como impedir que o tributo maior para esses bens tenha impacto em outras cadeias de produção — como embalagens, por exemplo — e reflita, indiretamente, nos preços de produtos que, na teoria, não se encaixariam na definição do imposto seletivo.

 

“Há o ponto de vista de que o plástico seja nocivo [ao meio ambiente]. Mas muitos alimentos possuem embalagens que utilizam esse material em sua composição, inclusive dentro da própria cesta básica [veja mais abaixo]. Então ainda é necessário um debate para entender de que maneira esse imposto seletivo vai acontecer”, completa Coutinho Neto, da SouzaOkawa.

 

Em nota, o Ministério da Fazenda afirma que não há a intenção de tributar derivados do petróleo via imposto seletivo.

“A diferenciação na tributação entre combustíveis fósseis e biocombustíveis será feita através do regime específico do IBS e da CBS, gerando créditos para as empresas que adquirirem combustíveis”, diz a pasta.

 

Impactos na economia e como o imposto se encaixa na reforma

 

Os especialistas reforçam, ainda, que o debate sobre a lista de produtos e serviços também pode envolver consequências indiretas na economia — e que podem, inclusive, ir contra alguns dos pontos que a própria reforma tributária estabelece.

O texto da reforma prevê, por exemplo, a desoneração de bens considerados essenciais, com um regime diferenciado de cobrança para alcançar itens consumidos pela população de baixa renda.

Além disso, o relator também incluiu no texto a criação de uma cesta básica nacional de alimentos com isenção de tributos, cujos produtos também serão estabelecidos por meio de uma lei complementar.

 

“Nesse cenário, se acabarmos com uma lista que inclua alimentos ultraprocessados no imposto do pecado, por exemplo, podemos acabar impactando o orçamento da população de baixa renda, tributando produtos que são o que essas pessoas conseguem comprar”, diz Utumi.

 

“Hoje pessoas de baixa renda provavelmente não conseguem comprar aquele macarrão feito com trigo orgânico e de forma artesanal, mas podem conseguir comprar aquele macarrão instantâneo. Então é um ponto de atenção que pode acabar gerando muita insegurança nessa questão da seletividade”, acrescenta a advogada.

Questionado sobre como o governo pretende driblar eventuais conflitos do novo imposto com as propostas da reforma tributária e evitar eventuais aumentos de preços, o Ministério da Fazenda reafirmou que a elaboração do projeto de lei será feita em amplo diálogo com a sociedade.

“Como a reforma tributária é neutra em termos de carga tributária, alguns preços poderão cair e outros poderão subir. A transição para o novo modelo tributário desenhada na reforma assegura que eventuais ajustes nos preços — tanto para cima quanto para baixo — ocorram de forma gradual no tempo”, diz a Fazenda.

 

 



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